O Passarinho
- Gi Saggiomo
- 12 de jul. de 2018
- 3 min de leitura
- Para qual andar quer ir, querida? Como num passe de mágica, ou talvez, como se eu fosse engolida por um buraco negro, quando olhei para ele, vi a pele morena bronzeada de sol reluzindo na luz amarela do elevador. Os olhos negros como a escuridão que nós dois carregávamos dentro de nós mesmos me engolindo. De início lentamente, depois, depressa e mais depressa, como se estivesse sugando o ar de meus pulmões. Os dentes brancos à mostra naquele sorriso cafajeste que era um aviso e ao mesmo tempo a principal razão pela qual um dia eu havia me apaixonado por ele. O ar me faltava ao nível de me causar tontura. - O-o que? Me apoiei na porta por um instante, ofegante e senti os braços dele me segurarem para impedir que eu caísse. Não mais com força. Mas com uma delicadeza que não era dele. Foi quando pisquei os olhos com força que notei que o bronze forte de sua pele havia sumido, no lugar de seus olhos negros estavam olhos verdes doces me encarando, e o sorriso cafajeste havia se tornado uma expressão retraída e preocupada. É claro, eu não estava mais com ele. Não depois de tudo aquilo, mas algo naquele elevador ainda me causava certa náusea e as lembranças voltavam correndo para me estapear na face. - Está tudo bem? - Ah sim, claro. Desculpe, eu acho que me senti um pouco claustrofóbica. Ele me segurou melhor pela cintura mais junto dele, sem força, com suavidade, como quem segura por entre os dedos um pássaro frágil que ainda não sabe voar. - Para qual andar? - ele insistiu na pergunta, uma vez que eu imagino que não havia respondido da primeira vez que ele havia perguntado. - Para o décimo. Ele apertou o botão e eu fiquei respirando devagar, tentando recuperar o meu fôlego. Estava tudo bem, estava tudo bem, não era porque ele morava no prédio que eu o encontraria no elevador. Não. Não, não, eu teria de ter muito azar. Acompanhei os números passando pelo visor, primeiro andar, segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto, sétimo…. O elevador parou. Para o meu desconforto, de todos os andares, tinha de parar justo no sétimo? E claro, como bem previra meu azar, ele entrou. Pele morena, olhos negros, sorriso cafajeste. Ele me olhou de cima a baixo por trás dos braços do meu acompanhante, sem se importar se seria desrespeitoso para com a acompanhante dele também, uma moça muito mais alta que eu de cabelos longos ondulados até a cintura. - O elevador está subindo. - comentou meu acompanhante desavisado. - Ah, sabemos. - riu-se a moça, a outra desavisada. - Estamos indo para a piscina. Ela deu uma gargalhada falsa ao ponto de me dar enjoo. Ou talvez eu já estivesse com enjoo desde o momento que eles haviam aparecido na porta? Será que eu ainda era tão fraca assim? Eu desci quase correndo quando chegamos ao décimo andar, como se o elevador houvesse me cuspido para fora e notei, quando me virei para me certificar que a porta estava se fechando antes que ele tivesse a chance de sair que ele me encarava, ainda com o mesmo sorriso. O arrepio que me correu pelas costas não era desagradável, mas também não era do tipo bom e naquele momento, quando tranquei a porta do meu apartamento enquanto meu acompanhante olhava pela janela eu soube de uma coisa.
Eu ainda era um passarinho. E não havia aprendido a voar.
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