Andarilhos do Alvorecer. 11.
- Giovanna Saggiomo
- 13 de out. de 2017
- 5 min de leitura

No dia seguinte, quando eu já havia sido dispensada da enfermaria, eu chamei todos os demais para se reunirem à mim na mesma sala de velas que havia encontrado Benji um tempo atrás.
- Mia! Você está bem, querida? - a Sra. Ruth tinha olhos preocupados e eu notei que TJ não estava acompanhando os demais. - Estávamos preocupados!
- Eu sei. Desculpem pelo susto.
- Querida, o que estava pensando? O que faríamos sem você?
Era uma pergunta difícil de responder, afinal, eu realmente acreditava que eles estariam seguros ali, com ou sem mim. Mas havia notado também que uma das senhoras estava mais quieta que o comum. A Sra. Smith mal olhava em minha direção.
- Me desculpe por quebrar minha promessa e colocar TJ em risco, Sra. Smith. - comecei, meio sem saber como continuar. - Eu... Bom, eu só estou aqui agora graças à ele, ele realmente me salvou.
Ela balançou a cabeça positivamente, parecia grata pelos elogios ao neto, mas ainda assim, um pouco chateada com minha atitude.
- Quando nos encontramos a primeira vez, vocês me contaram um pouco de suas histórias. Eu acho que chegou a hora de eu dividir um pouco da minha.
- Mia, você não precisa... - Jeff começou.
- Sim, você já nos deu muito, se exilou conosco e tudo o mais. É mais do que podíamos pedir.
- Eu sinto que devo. Ou talvez... Apenas seja algo que eu queira fazer... - dei de ombros uma vez, incerta. - Mas gostaria que me escutassem, se puderem.
Eles concordaram com a cabeça, se ajeitando nos bancos mais ao fundo da sala. Eu andei um pouco de um lado para o outro, sem saber como começar. Depois de pensar um pouco, chegara à conclusão de que não haveria um jeito certo, ou mesmo bom, de contar tudo, então, resolvi começar do começo.
- Antes de tudo isso começar, éramos apenas a minha avó e eu. Meus pais haviam morrido em um acidente quando eu era mais nova e minha avó cuidava de mim desde que eu me lembro. Ela ficou doente em algum momento da minha adolescência e para poder cuidar dela como ela havia cuidado de mim, eu comecei a estudar medicina.
Os olhares de surpresa de Jeff e Anton me deixaram um pouco menos tensa, então, me forcei à continuar.
- Porém, quando eu ainda estava no segundo ano, ela faleceu e eu fiquei... Sem chão. Eu larguei a faculdade e comecei à andar com alguns grupos de... Sei lá... Rebeldes, acho.
- Oh, querida... - a senhora Martinez sussurrou baixinho.
- Eu estava andando com eles fazia alguns meses, quando tudo isso começou e eu achei... - minha voz sumiu. - Achei que talvez pudesse ser algum tipo de punição do destino... - as lágrimas que havia começado a brotar dos meus olhos embaçavam a minha visão, mas me forcei à continuar. - Punição por eu ter sido lenta demais. Punição pelo mundo ter sido lento demais... Nem sei mais... - as lágrimas corriam enquanto eu falava, com a voz abafada. - Por que afinal, como havíamos ousado perdê-la, sabem? E eu estava sozinha. Estava cansada de estar sozinha. E eu havia decidido abrir mão. Abrir mão mesmo. Eu havia cansado de tentar fazer dar certo com aquelas pessoas e tudo aquilo, porque eu sabia que não era aquilo que ela ia querer.
- Mia... - a Sra Smith começou, mas eu interrompi.
- Eu sei que desistir não é o que ela iria querer, mas diferente de você que tinha alguém de quem cuidar... Eu não tinha nada. - eu mordi o interior dos lábios. - Foi quando achei você e TJ, depois os demais... Mas agora vocês estão seguros e aprendendo á se defender, então eu pensei...
- Que agora é nossa vez de cuidar de você.
A fala de Sra Ruth me surpreendeu e eu levantei o rosto para me certificar de que havia ouvido direito.
- Você defendeu nossos interesses no conselho, se exilou conosco e lutou por nós. Pôs sua vida em risco tantas vezes. - ela sorriu para mim, um sorriso quente e gentil. - Mia, querida, eu não sei o que somos para você, mas você é família para nós.
E podia soar como algo clichê, mas a verdade é que acho que no fundo, nenhum de nós detesta totalmente os clichês.
O que ela disse pareceu tirar um peso que eu nem sabia que sentia dos meus ombros e eu me senti afundar em mim mesma. Sem mais lutar contra a maré de sentimentos que estavam dentro de mim e que eu lutava tão firmemente para negar até o ponto da exaustão.
Era uma sensação boa. E eu corri até a Sra. Ruth, a abraçando com todas as minhas forças. Que mulher.
Existem algumas pessoas que inspiram a gente e naquele momento eu notei que quando tudo isso acabasse, eu queria ser com a sra. Ruth. Elegante, divertida e um pouco louca também.
- Bem, agora que esse assunto está resolvido e você sabe que estamos aqui para você, assim como você estava aqui para nós... Promete não fazer mais nenhuma bobagem desse tipo, querida?
Descobri naquele momento que minha garganta estava seca, ao contrário das minhas bochechas encharcadas de lágrimas e por isso, apenas concordei com a cabeça.
Ela sorriu e me abraçou de leve. Não era como os abraços da minha avó, sempre apertados, ou ao menos, o mais apertado que ela conseguia, mas era o suficiente para eu saber que não estava mais sozinha.
A Sra. Ruth jamais substituiria minha vó, mas ela era uma senhora forte disposta à adotar para a família uma órfã que não tinha mais nada a perder.
Na manhã seguinte, acordei com batidas dela à minha porta, me chamando para tomar café com ela e os demais. E no outro e o outro também. Acho que de alguma forma trazer toda aquela história à tona havia tirado um peso gigantesco dos meus ombros e ao mesmo tempo, me forçado à sentir toda aquela dor de novo, pois por muitos dias seguintes, me levantar da cama era a tarefa mais difícil que havia feito nos últimos anos. Lutar com John havia sido fichinha perto disso. Viu John? Come at me, bro!
Eu sentia falta de lutar contra qualquer coisa para distrair a minha cabeça e quando dei por mim, já estava seguindo o cheiro de incenso de Benji pelo templo.
- Mia? - ele perguntou assim que eu cheguei à porta. - Não precisa estar aqui ainda... A menos que...
- Eu quero. Eu preciso. Preciso de alguma batalha para lutar para me ajudar à... Bom, à superar isso de novo...
- Sabe que não é uma boa fazer isso agora. Você pode ainda estar... desatenta e...
- Não. Eu prometi à Sra. Lurdes que seríamos uma família agora e eu não quero deixar minha família preocupada. - eu respirei fundo. Me sentando no beiral da porta uma vez que ainda me sentia exausta. - Além disso, foi para isso que nos trouxe aqui, não é?
Ele sorriu. Não sabia interpretar aquele sorriso dele. Parecia dizer que sim e que não , um grandíssimo não, ao mesmo tempo.
- Então... - ele voltou a falar antes que eu tivesse a oportunidade de analisá-lo mais. - Você quer voltar às sessões de treino?
- Sim.
- Hm... e o que vai levar ao seu mestre para que ele te aceite de volta?
- Bom, eu posso levar a promessa de que não vou queimar a bunda dele.
Ele riu e eu lhe dei meu sorriso mais durão.
- Por sinal, o que está fazendo aqui?
- Meditando.
- Não diga? - levantei as sobrancelhas em falsa surpresa.
- Os demais já estão avançados demais para que eu os ajude, agora eles devem trilhar o resto do caminho eles mesmos... Já você...
- Já eu o que?
- Ainda tem muito o que aprender.
Posts recentes
Ver tudo- Para qual andar quer ir, querida? Como num passe de mágica, ou talvez, como se eu fosse engolida por um buraco negro, quando olhei...