Andarilhos da Alvorecer. 6.
- Giovanna Saggiomo
- 4 de out. de 2017
- 4 min de leitura
Naquela noite, após concordarmos que partiríamos pela manhã, ainda era possível ouvir TJ comemorando no quarto. Eu levei Benji até um dos quartos vagos enquanto ele mantinha um sorriso quase enigmático nos lábios.
- Eles confiam e respeitam muito você. - ele comentou quando chegamos na porta.
- Acha que é sem motivo?
- Muito pelo contrário. Acho que tem muito motivo. Eu mesmo posso ver o porquê.
- Heh, agradeço, mas não sei se mereço toda essa confiança, afinal, mesmo fazendo parte do conselho da Fornalha, não consegui impedir que os expulsassem.
- Bem, se não houvessem sido expulsos, talvez tivessem morrido lá. E se não houvesse fugido com eles, possivelmente já estariam mortos à essa altura. - ele concluiu, de uma forma que eu não pude discordar. - Você é sempre corajosa, colocando sua vida em risco por eles. A seguem com motivo. De certo porque vêm em você a mesma coisa que vejo.
- Mas estão todos vendo errado. - eu soltei um suspiro. - Não é coragem.
Naquela noite, quando fui deitar, fiquei me questionando porque Benji não questionou mais da minha resposta. Eu não sei se responderia, provavelmente não. Mas do pouco que o conhecia, ele não parecia ser o tipo de desistir de uma conversa no meio dela.
Na manhã seguinte, quando cheguei à cozinha, as senhoras já estavam todas ali, empacotando todos os nossos suprimentos restantes. Anton e TJ levavam os pacotes para o ônibus, onde o Sr. Sheng e Jeff trabalhavam nos últimos detalhes para nossa viagem.
- Bom dia, Mia. - a sra. Gomes sorriu para mim quando entrei. - O tal rapaz... Benji, estava te procurando hoje mais cedo.
- Mesmo? Não achei que ele já houvesse levantado. Passei na porta do quarto e estava tudo tão quieto que achei que ele ainda estivesse dormindo.
- Ah, o rapaz levanta cedo! - a sra. Martinez sorria.
- E até que é bem bonitinho.
A observação da sra. Ruth fez com que todas nós caíssemos na risada, ainda mais após o "ewww" de TJ.
Depois de conseguir parar de rir e elas me apontarem para onde ele havia ido, acabei por deixar os demais à sós, encontrei-o sob o grande carvalho, sentado na terra e em posição de meditação.
Eu tentei me aproximar em silêncio, mas sem muito sucesso.
- São passos pesados para alguém tão pequeno.
- Isso foi uma tentativa de me chamar de gorda?
- Claro que não...!
E ele talvez tivesse continuado suas desculpas se eu não houvesse caído na risada.
- Eu sei, estava apenas tirando com a sua cara.
- Oras... - ele sorriu, aparentemente aliviado. - Estava preocupado que houvesse te ofendido.
- Não, nenhum problema.
Me sentei ao lado dele, apoiando meu queixo contra meus joelhos.
- Estamos quase prontos, espero que a demora não faça o convite perder a validade.
- De forma alguma, seu convite não tem data de expiração.
- Fico mais tranquila, afinal, são senhoras de idade que estão arrumando as coisas.
- São senhoras bem animadas, isso sem dúvida
Acabei por concordar, rindo. De fato desde que havíamos deixado a Fornalha e montado nosso próprio grupo elas pareciam sempre animadas e aproveitando o tempo de vida que lhes sobrava.
Parecia tolice provavelmente, que aquelas senhoras, visivelmente em desvantagem contra os mastigadores, estivessem preparando tudo e sorrindo com tamanha animosidade, mas a verdade é que havíamos todos passado por maus bocados para conquistar aquilo.
Quando por fim decidimos sair, já com todos os mantimentos empacotados e todas as malas dentro do velho caminhão de carga, a maioria dos idosos estavam adormecidos, assim como TJ, que dormia encostado no colo da avó.
Anton, Jeff e eu revezávamos o volante enquanto Benji nos dava as direções. Tivemos de parar algumas vezes para que todos se aliviassem, mas os lanchinhos que as sras haviam preparado mantiveram todos alimentados até que chegássemos à encosta de uma montanha, alta o suficiente para que houvesse neve em seu pico.
- É aqui. - Benji começou. - Bem, lá em cima na verdade.
- E como pretende que consigamos subir com senhoras de idade, gênio? - Jeff havia cruzado os braços com força sobre o volante. - Vamos empurra-las? Morro acima?
- Ao contrário. - ele sorriu com calma. - É um caminho livre de devoradores. Bom, mastigadores, é como vocês chamam, não é?
- Ainda temos o problema da altura. - comentei, encarando a montanha de forma preocupada.
- Não se preocupe. Temos meios para contornar isso.
Algo na forma como ele disse aquilo me fez levantar a sobrancelha direita, sem entender, mas a verdade é que por toda a subida, tivemos de caminhar de fato bem pouco.
Eles haviam preparado diversos elevadores improvisados na maior parte do caminho, devido ao grau de inclinação.
Quando chegamos ao topo, um senhor de sorriso bondoso e roupas que pareciam orientais acenava para nós.
- Oh, chegaram! - sua voz era baixa e rouca, mas a calma com que ele falava pareceu deixar todos mais relaxados. - Espero que Benji tenha se comportado.
- Sensei... - Benji comentou baixo, numa mistura de cumprimento e reclamação, antes de se curvar respeitosamente. - É um prazer revê-lo.
- O mesmo, meu jovem. - ele então voltou à sorrir à nós. - Vocês devem estar cansados da viagem. Venham, se acomodem, vamos preparar um chá.
Durante toda aquela tarde, eu esperei pela oportunidade de que Benji me contasse afinal o que havia acontecido naquela tarde com John, mas de alguma forma eu acabara por passar o dia todo ajeitando todos em seus novos quartos e recebendo um tour pelo nosso novo abrigo, que parecia um dia ter sido um templo de meditação ou algo assim.
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