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Andarilhos do Alvorecer. 2.

  • Gi Saggiomo
  • 20 de jul. de 2017
  • 5 min de leitura

- Eu já disse, minha linha de frente têm se alimentado muito mal! Como podem continuar patrulhando de forma eficiente se qualquer manejo de armas já os deixa tontos?!?

- Nem adianta olhar para meus arqueiros! Já cedemos parte de nossa porção da última vez e eles estão no limite de quanto conseguem acertar tremendo de frio por serem pele e osso!

- A linha de defesa parece bem alimentada! - acusou John.

- A linha de defesa tem mais músculos por passar o dia todo movendo e construindo novas barreiras. - argumentou Brendon.

- Não precisamos disso a melhor defesa é um bom ataque, não é? - John pediu apoio Eaton que concordou com a cabeça.

- Meninos, por favor... - eu chamei.

- O inverno tem sido difícil, Mia. - assim como eu, era a primeira vez que Don falava na reunião. - perdemos muitos grãos.

- Eu sei. Mas vamos dar um jeito. Talvez possamos buscar mais frutas... Ou algum tipo de erva...

- Isso demandaria uma expedição longa e não temos alimento suficiente sequer para manter os nossos diariamente.

E eu gostaria de dizer que John estava errado, mas mesmo eu havia notado as plantações congeladas após o último ataque dos mastigadores à parede sul.

- Mia, nós sabemos que você é contra. - começou Eaton. - Mas não temos outra opção. Temos muitas bocas ociosas para alimentar.

- Você não pode estar falando sério!!!

- Mas é a verdade! - Brendon se encolheu um pouco antes de continuar. - Nenhuma outra comunidade tem tantos idosos como a Fornalha, Mia. E eles não são mais capazes de empunhar espadas, arcos, arados ou o que seja.

- Ninguém quer os velhos! Eles acabam todos vindo parar aqui e você os coloca para dentro!

Aquele era meu limite. Puxei o arco de minhas costas e a flecha de minha cintura. Toda minha veste havia sido modificada para um saque de arco e flechas mais veloz, eu era uma estrategista também, afinal.

- Opa, Mia, armas não são permitidas durante sessões do conselho. - Don tocou meu braço de leve. - Vamos, você sabe que não quer isso.

- Deixe ela. - John disse. Ele tinha um sorriso desafiador nos lábios.

- Eu posso não ter uma mira fantástica, John, mas não preciso dela à essa distância. - ele engoliu em seco. - Vocês pretendem mesmo jogar aquelas pessoas, aqueles seres humanos no inverno para que morram?

- A matemática é simples, Mia! São 30 para salvar 200! Tenho certeza que até você pode ver isso. - Eaton gesticulava.

- Vejo. Vejo que se tirarmos os 5 gestores, talvez os 200 se virem melhor, pois nós claramente não fizemos um bom trabalho.

- Mia, você não está sendo razoável. - Brendon argumentou, cruzando os braços.

- Que seja, não vou ajudar vocês a assassinar essas pessoas. - eu recuei meu arco, guardando-o assim como a flecha. - Eu vou com elas.

- Você não pode ir, é uma conselheira, a Fornalha precisa de você.

- Eles são a Fornalha. Se eles forem. Eu vou.

Eu deixei a reunião naquela noite com um sentimento de impotência ainda maior do que o normal e quando na manhã seguinte eles nos colocaram para fora, um grupo composto praticamente de idosos e suas famílias que se negaram a abandoná-los, junto de um ou outro jovem que assim como eu se negou a acatar a decisão dos outros conselheiros, partimos na direção norte.

- Conselheira Mia!

- Jeff, eu não sou mais conselheira de nada, não precisa mais me chamar assim.

- Hm... - ele pensou um segundo, era alguns anos mais novo do que eu, mas a grande cicatriz que tinha cruzando seu olho esquerdo o deixava com uma aparência um pouco mais velha. - Eles expulsaram você? Por ser contra essa medida?

- Não. Eu saí.

- O quê? - a avó dele, uma mulher de agradáveis olhos negros e redondos me olhou chocada. - Por que, querida?

- Eu não concordo com a atitude de deixar membros de nossa comunidade para trás, menos ainda com expulsa-los. Não é o tipo de comunidade que quero fazer parte.

- Querida... Você condenou à si mesma por nós, isso é tolice. Eu disse para Jeff que ele deveria ter ficado! Você deveria também!

- Sra. Martinez, eu agradeço a preocupação, mas nós vamos ficar bem. - me forcei à sorrir para ela. - Somos mais forte juntos e se a Fornalha não vê isso, ela está condenada.

E eu queria estar errada mas a verdade é que alguns meses depois, quando o nosso pequeno grupo estava bem estabelecido num velho hotel de beira de estrada à poucos quilômetros dali, graças à habilidade fenomenal de eletricista do Sr. Sheng que conseguiu fazer uma ligação direta num caminhão de carga, recebemos notícias de que a Fornalha havia caído, seus líderes, incapazes de tomar decisões de forma pacífica haviam enfraquecido todas as frentes e quando o ataque por fim veio eles estavam despreparados e desorganizados.

A maioria havia conseguido fugir, mas uma boa parte deles havia sido morta na invasão.

Eu estava terminando de ajeitar minhas flechas quando a Sra. Smith me chamou.

- O que pretende fazer, filha? - seu cabelo grisalho refletia a pouca luz que vinha de fora da janela. - Não pretende sair para ir atrás deles, não é?

- Eu não vou longe. Mas se algum deles tiver vindo para esses lados, vou informar onde estamos.

- E se eles trouxerem aquelas criaturas com eles?

- Então eu vou ficar quieta e não vou deixar elas virem, tá bem? - eu tentava lhe passar segurança, ela era uma das mais velhas de nosso grupo. - Eu nunca traria nada de perigoso para cá.

- Em você eu confio. Não confio neles. Eles tiraram meu Robbie e meu Dean também. TJ é tudo que eu tenho agora.

Ela beirava as lágrimas se lembrando dos filhos que haviam morrido na época em que ainda viviam na Fornalha. Sacrificaram a vida e o grupo expulsara sua mãe... Eles deviam estar se remexendo no túmulo se soubessem, pensei.

Mas eu abracei de leve e sorri. Ela era mais alta que eu apesar da idade e sua estatura grande a tornava a figura de mãezona.

- Eu prometo que se ajudar alguém, não vou deixar que essa pessoa coloque sua família em risco, tá? Nunca mais.

Eu saí quando ela se acalmou um pouco, mas sequer cheguei até os portões do hotel e ouvi passos atrás de mim.

- Não atire, sou eu. - era Anton, um dos jovens que havia nos seguidos da Fornalha. - Você vai mesmo voltar pra pegar aquela galera que te deixou sair pra morte certa?

- Acho que talvez alguns deles até fosse contra a ideia, mas tivessem medo de vir aqui pra fora.

- Irônico como isso acabou para eles, né?

- Poderia ter sido nós.

- É, mas você nos manteve unidos, como fazia lá. - ele deu um sorriso. - Acho que com os vivos, as palavras podem ser mais fortes que o aço.

- Isso foi poético, Anton.

- Obrigado. Vou ter certeza de escrever quando tudo isso acabar.

Eu estava quase voltando a andar quando ele chamou de novo.

- Ah, Mia! Já que você vai de qualquer jeito... - eu olhei por sobre os ombros. - Não quer companhia?

Ele mostrou o bastão de beisebol de ferro e a espada encostados um contra o outro numa parede à poucos metros de nós.

- Eu detestaria não estar lá para ver a cara deles quando voltassem para debaixo de suas asas com o rabinho entre as pernas.

Acabei rindo, não dava para evitar. A forma como ele pintava dramaticamente toda aquela separação da Fornalha era bem divertida de imaginar e me deixei imaginar enquanto ele ia contando causos e nos embrenhávamos na mata em direção à Fornalha.

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